quarta-feira, 31 de julho de 2013

Os "incentivos" e os "estímulos" da política de direita

por Daniel Vaz de Carvalho[*]

Os ricos nunca são demasiado ricos para investirem mais, 

nem os pobres demasiado pobres para trabalhar mais.  
John Kenneth Galbraith (sobre as políticas neoliberais)


1 - QUE MODELO DE SOCIEDADE?

O recente discurso do Presidente da Republica falando de "estímulos ao investimento" e políticas de "crescimento e emprego", ao mesmo tempo que afirmava que a austeridade era para manter, mostra a decadência do discurso da direita repetindo fórmulas ocas de conteúdo concreto, contraditórias, que apenas disfarçam a arrogância, a chantagem emocional e o niilismo ético ao serviço de uma oligarquia parasitária.

Um exemplo destes "estímulos" foi dado pelo sr. Medina Carreira, no programa da TVI 24 onde pontifica: ainda que o IRC fosse zero, o país ganharia com isso, haveria criação de emprego, crescimento e mais impostos para o Estado. Acreditamos que o sr. não faça ideia das inconsequências que diz, tais como considerar que para equilibrar as contas públicas seria necessário cortar mais 10 mil milhões de euros, além dos 10 mil milhões já cortados. [1]

Como classificar então uma sociedade no conceito acima exposto, em que a camada social que detém os meios de produção não paga impostos, cede esses meios a trabalhadores que lhe fornecem bens e trabalho gratuito e pagam impostos? Se se responder feudalismo não está errado, neoliberalismo (ou monetarismo) também não.

Pode dizer-se que, ao contrário do feudalismo, os trabalhadores recebem salário, mas o servo da gleba feudal conservava uma parte do que produzia para a sua subsistência, quando e como possível, acrescente-se. Ora, os salários no sistema atual estão cada vez mais afastados dos limites da subsistência, um conceito de índole social, que não se confunde com "sobrevivência" individual, mas sim com a capacidade de reprodução da força de trabalho numa perspectiva de desenvolvimento económico, portanto com mais e melhor formação e saúde, em suma, condições de existência.

Pode também dizer-se que o capitalista paga o imposto sobre o rendimento. Falso. O grande capital e a finança têm à sua disposição todos os meios legais e ilegais necessários para a fuga aos impostos, transferência de rendimentos para paraísos fiscais, transformar rendimentos em ganhos de capital, muito menos tributados.

Recorde-se aliás, que o senhor feudal tinha de manter a seu cargo um corpo armado à disposição do poder central e incumbia-lhe a administração do território, etc. Neste aspeto o grande capital monopolista e financeiro é de natureza não menos parasitária que o senhor feudal: recebe todo o suporte – financeiro, legal, repressivo – do Estado, mas não está disposto a paga-lo.

Eis o modelo de sociedade neoliberal/neofascista: uma força de trabalho traída e a ganância matando a economia, uma sociedade em que o processo de ascensão social e oportunidades foi liquidado (Paul Craig Roberts). Ou, segundo o próprio Joseph Stiglitz, uma sociedade em que o preço da desigualdade representa o fim do mito da oportunidade. [2]

2 – O IRC e as "políticas de incentivos"

Em abril o governo fez uma encenação prometendo "investimento e emprego", baseado em coisa nenhuma. Curiosamente os protagonistas destes pré-anunciados êxitos, Vítor Gaspar e Álvaro Santos Pereira, acabaram por sair do governo! Agora sucede-se outra manobra de manipulação: a descida do IRC em que o governo não apresenta qualquer programa concreto e compromete-se com metas para além do seu mandato. É o seu estilo.

Num contexto em que mensalmente fecham centenas MPME por falta de procura e por um sistema financeiro dedicado à especulação, o governo apregoa a descida do IRC: mais uma benesse em que os grandes beneficiários são o capital monopolista e financeiro.

Como consequência das múltiplas deduções no rendimento e de variadíssimos benefícios fiscais que gozam as grandes empresas em Portugal, em 2008 o IRC efetivamente cobrado representou 19,6% do lucro contabilístico, em 2009 15%, em 2010 apenas 8,6%. [3]

Dados do INE. Como não recordar as promessas de "incentivos ao crescimento e ao emprego", para as sucessivas revisões do código laboral, a cujas "boas intenções" a UGT deu sempre o aval, fragilizando cada vez mais a situação dos trabalhadores perante o poder patronal. Desemprego, depressão económica, desindustrialização, foi o que se obteve.

Com estas políticas entre 2005 e 2013 a redução na FBCF atingirá mais de 38%, com uma redução de 33,5% até 2012. Em 1999, a FBCF representava 27,3% do PIB, em 2012 tinha descido para 15,9%. Quanto ao investimento público passou no mesmo período de 4,1% para 1,6% do PIB.

Enquanto trabalhadores altamente qualificados emigram, o país transforma-se numa economia terceiro-mundista, à míngua de investimento estrangeiro, porque o Estado está como uma qualquer colónia impedido de conduzir uma política económica e financeira autónoma, mero fornecedor de mão-de-obra barata, e o grande capital monopolista e financeiro contabiliza os seus resultados em paraísos fiscais.

Quanto às maravilhas do investimento estrangeiro, repetidamente propagandeado como sem alternativa, recordem-se os casos de aquisições de ativos existentes (que o governo assume como "investimento") a serem encerrados na primeira oportunidade (como o escandaloso caso da ex-Sorefame, da ex-Covina, do eventual encerramento da SN para além de tudo o que já deixou de funcionar) ou investimentos "beduínos" (por ex. na indústria automóvel e eletrónica) que facilmente se deslocalizam, apesar de todas as benesses recebidas do Estado.

Uma outra modalidade é a sobre-exploração por via das subcontratações, uma forma de troca desigual, com o expediente da subfacturação do exportado, sobrefacturação dos componentes importados. De facto, nas subcontratações feitas pelas transnacionais, "embora a montagem dos equipamentos seja das mais importantes fases do processo produtivo, corresponde apenas a cerca de 2% do valor acrescentado do produto" [4]

Porém, os dogmas neoliberais não permitem o planeamento por parte do Estado, (este é realizado pelo sector monopolista e financeiro) as políticas públicas permitidas são as que se enquadrem nos esquemas de "incentivos".

Na realidade, a política de "incentivos" é uma solução mais que fracassada. Consideremos o caso dos EUA. " Em 2009, (…) o governo gastou 3 milhões de milhões de dólares para uma pequena recuperação avaliada em 3% do PIB, cerca de 400 mil milhões de dólares em crescimento económico. Pois bem, gastar 3 milhões de milhões de dólares para obter 400 mil milhões é um péssimo negócio." [5] Política que aliás é prosseguida, sem qualquer eficácia.

Note-se ainda que no recente período de (débil) recuperação económica dos EUA, 93% dos ganhos beneficiaram apenas 1% dos mais ricos. [6] O próprio FMI contrariando tudo o que tem promovido, reconhece num estudo que favorecer o crescimento e reduzir as desigualdades são duas faces da mesma moeda.

3 - AFINAL O "ALMOÇO GRÁTIS" EXISTE…

Com as políticas de "incentivos" aos capitalistas, afinal o "almoço grátis" existe. É o "free lunch" à custa da classe trabalhadora: os "incentivos" representam a mais-valia absorvida pelo Estado que não lhes é devolvida em prestações sociais, mas reverte para o grande capital. Em resumo, estes "incentivos" traduzem-se no aumento da taxa de exploração.

A redução de custos das empresas não está a ser feita pelo desenvolvimento tecnológico, mas pela redução dos "custos salariais", redução de impostos, aumento de deduções e benefícios fiscais. A produtividade (neste caso dita aparente) é promovida pelo aumento do número de horas de trabalho, que além disto não é pago.

As privatizações de empresas e serviços públicos são outra forma de criar "almoços grátis", as famosas "rendas excessivas" pagas pelos consumidores e utentes, isto é, direta e indiretamente por toda a economia.

Há banqueiros que cometem ilegalidades? Há. Há capitalistas que recebem rendas "excessivas" do Estado por via de entidades reguladoras ao seu serviço, da privatização de serviços públicos, de contratos de PPP e de SWAP, fruto da incompetência e possivelmente da corrupção? Há. Que faz o governo? Dá-lhes "incentivos". Pega no dinheiro dos trabalhadores e compensa-os, cobre prejuízos, deixa ativos de fora, paga rendas. Tudo com a falácia dos "incentivos" ao "crescimento e à criação de emprego". Os resultados estão á vista.

Perante a gravíssima crise económica e social que o país atravessa, limitar e tributar a transferência de lucros e rendimentos, nem sequer é equacionado. Seria "traumatizar os mercados", foi dito. A simples hipótese do povo poder escolher as políticas a seguir instalaria "nervosismo nos mercados" (Durão Barroso). Assim funciona a política neoliberal, " a da degeneração financeira, parasitária do capitalismo keynesiano" (Jorge Beinstein).

Resgates financeiros, incentivos, eliminação de direitos laborais e das funções sociais do Estado, são, no capitalismo senil rentista, em crise e decadência, a forma de "dotar a elite financeira do poder de dominar o século XXI" (Michael Hudson).

Porém que investimento? Os problemas de estrutura económica não são reconhecidos, o sistema assume como "criação de riqueza" a especulação em bolsa ou imobiliária, não fazendo distinção entre atividades produtivas e improdutivas.

O necessário equilíbrio entre a produção de bens de consumo e de investimento, entre o transacionável e não transacionável, não é possível ser realizado pelos mecanismos de mercado, apenas pelo planeamento económico democrático, tendo em conta custos e benefícios sociais e a criação de uma estrutura produtiva equilibrada reduzindo vulnerabilidades e dependências nos diversos sectores, com o máximo aproveitamento dos recursos nacionais.

A chamada "economia pós-industrial" não foi mais que a economia da servidão pela dívida. O abandono do projeto constitucional foi também a derrota dos sectores produtivos e das MPME, a vitória do rentismo monopolista e financeiro. São estes sectores que obtêm "almoços grátis" devido ao desvio da riqueza criada pelos trabalhadores e sectores não monopolistas. A solução está, como acentuaram Marx e Engels em "expropriar os expropriadores" da riqueza coletiva nacional.
 
1- Ver "A falácia dos "cortes na despesa", Vaz de Carvalho, 24/Maio/2013 resistir.info/portugal/falacia_dos_cortes.html ; Capitalismo: um sistema esgotado e sem soluções, Vaz de Carvalho, 06/Mai/13 www.odiario.info/?p=2855
2- "A Workforce Betrayed - Watching Greed Murder the Economy", Paul Craig Roberts July 10, 2008, www.informationclearinghouse.info/article20259.htm ; The Price of Inequality and the Myth of Opportunity, Joseph Stiglitz, www.project-syndicate.org/commentary/the-price-of-inequality
3- O falso dilema de Vitor Gaspar, Eugénio Rosa, resistir.info/e_rosa/falso_dilema_26jan13.html
4- European Competitiveness Report 2010 European Commission Brussels, 28/10/2010, p. 80, 81
5- Um roubo de US$16 milhões de milhões, Atilio A. Boron, resistir.info/eua/boron_02ago11.html
6- Back to Recession, Mike Whitney, www.counterpunch.org/2013/04/26/back-to-recession/

[*] Engenheiro.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/


http://resistir.info/portugal/incentivos_jul13.html 

Método Gerson -Combater o Cancro.


terça-feira, 30 de julho de 2013

As contradições da União Europeia face ao Hezbolá

por Thierry Meyssan

Ao designar o ramo militar do Hezbolá como organização terrorista, a União Europeia manifesta a sua incompreensão da Resistência libanesa, que não é, e não quer tornar-se um partido político, mesmo se ela participa no jogo político libanês. Bruxelas exprime a sua vassalagem ao bloco anglo-saxão (incluindo Israel) em detrimento de seus próprios princípios.
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Durante o Conselho europeu, o ministro francês dos Negócios estrangeiros, Laurent Fabius, felicita-se pela sua vitória junto com o seu colega esloveno.
Foi com três dias de atraso, que o Conselho europeu publicou a o seu comunicado de decisão relativo à inscrição do ramo militar do Hezbolá na sua lista de organizações terroristas. Contrariamente ao costume, a novidade já deu a volta ao globo e o Hezbolá já respondeu.

O documento oficial foi acompanhado de uma declaração comum do Conselho e da Comissão sublinhando que isto « não impede a continuação do diálogo com o conjunto dos partidos políticos do Líbano e não afecta o fornecimento de assistência este país ». Este comentário visa explicitar a distinção entre os ramos civil e militar do Hezbolá o que permite à União europeia discutir com o primeiro ao mesmo tempo que condena o segundo.

Dentro desta onda, a embaixatriz da União europeia, Angelina Eichhorst, foi a Beirute visitar o responsável das relações internacionais do Hezbolá, Ammar Moussaoui, para lhe dizer que esta decisão não mudava nada nas relações bilaterais. O problema, é que esta decisão não tem nenhum sentido.

Mascarar a aspiração mística do Hezbolá

Por definição, o Hezbolá não é um partido político, mas sim um rede de resistência à invasão israelita, constituída por famílias xiitas baseado no modelo dos basidjis iranianos, do qual adoptou a bandeira (em amarela). Progressivamente, a Resistência incorporou não-xiitas no seio de uma estrutura ad-hoc, e substituiu o falhanço do Estado libanês tanto para vir em socorro das famílias, dos seus feridos e mártires, como para reconstruir o Sul do país, inteiramente arrasado pela aviação israelita. Esta evolução conduziu-o a apresentar candidatos às eleições e a participar no governo.

O seu secretário-geral, sayyed Hassan Nasrallah, não cessou de exprimir as suas reticências face à política, que para ele não é nada mais que uma actividade corruptora. Pelo contrário, ele aproveitou todas as ocasiões para reafirmar o seu ideal de morrer com mártir no campo de batalha, como o seu filho mais velho Muhammad Hadi, seguindo assim a via traçada pelo imã Hussein na batalha de Kerbala.

Na essência, o Hezbolá é o fruto de uma demanda mística e não poderá ser comparada a um partido político europeu. Os seus soldados nada têm a ganhar ao baterem-se, mas apenas a perder incluindo a sua vida. Eles vão para a guerra porque a sua causa é justa, e é uma ocasião para o sacrifício, o quer dizer de desenvolvimento humano. É o sentido da revolução do aiatolá Rouhollah Khomeini, e é o seu.

Apesar da ambiguidade que ressalta da tradução do seu nome, Hezbollah, como o « Partido de Deus », esta frente não é uma formação política e não pensa tornar-se em tal. O seu nome, extraído do Corão, figura sobre a sua bandeira : « Quem tomar por aliados Deus, Seu mensageiro e os crentes, [triunfará], porque o partido de Deus é que sairá vitorioso ». É preciso compreender aqui o significado da expressão « partido de Deus » no senso escatológico : será em definitivo Deus quem triunfará do Mal no fim dos tempos.

Muito estranhamente, os Europeus — que maioritáriamente consideram como um dado democrático a separação entre poderes temporal e religioso — reprovam, pois, ao Hezbolá a sua essência espiritual, e querem « normalizá-lo » em partido político. No seu espírito, os resistentes libaneses não tem nada que ver com a colonização da Palestina e da Síria. Eles deveriam antes preocupar-se mais com a sua carreira política, que arriscar a sua vida em combate.

A decisão do Conselho europeu terá pouco alcance prático. Ela consiste, sobretudo, em interditar aos membros do « ramo militar » o viajar na União, e congelar os seus depósitos bancários : mas não se vê porque iriam clandestinos, lutando contra as potências coloniais, abrir contas bancárias nesses estados.

Porquê portanto esta barulheira ? A inclusão do Hezbolá na lista europeia das organizações terroristas é uma velha reivindicação de Telavive, apoiada pelo Império anglo-saxão. É um esforço de propaganda visando afirmar que os « Bons » são os Israelitas, e os « Maus » os que recusam aceitar o roubo das suas terras. A interdição foi apresentada pelo presidente israelita Shimon Peres aos dirigentes da União, depois ao Parlamento europeu, a 12 de Março último. Foi apresentada ao Conselho europeu pelos ministros britânico e francês dos Negócios Estrangeiros (Relações Exterioresbr, NdT), William Hague e Laurent Fabius. Eles foram secundados pelos seus colegas neerlandês e austríaco, Frans Timmermans e Michael Spindelegger, após uma intensa mobilização dos sionistas americanos, entre os quais o antigo governador da Califórnia, Arnold Schwarzeneger.

Mascarar o fracasso israelita na Argentina

Era urgente para os comunicadores israelitas agir. Com efeito, desde 1994, eles acusam o Hezbolá e o Irão de terem feito explodir o imóvel da mutualista judia de Buenos Aires, causando 85 mortos. Esta versão dos factos é apresentada como uma uma certeza, em numerosas enciclopédias e manuais escolares. Ora, desde há muitos anos que a justiça argentina a desmentiu. Em Janeiro de 2013, a Argentina e o Irão criaram uma comissão de juristas independentes para fazer luz total sobre o assunto. Desde logo, ficou claro, que o atentado foi uma maquinação urdida pelo antigo ministro do Interior, o israelo-argentino Vladimir Corach.

Como este assunto não vinga, Telavive acusou o Hezbolá e o Irão de terem feito explodir um autocarro israelita na Bulgária, causando sete mortos (incluindo um kamikaze), a 18 de Julho de 2012. À primeira, o governo de centro-direita búlgaro apoiou a acusação, antes de ser contraditado pelo seu sucessor de centro-esquerda. Pouco importa, para o Conselho europeu o Hezbolá é políticamente o autor de um atentado no território da União, embora não o seja do ponto de vista judicial.

De uma maneira geral, Israel acusa o Hezbolá de ter fomentado, e por vezes executado, uma vintena de atentados contra civis um pouco por todo o lado, no mundo inteiro, em trinta anos, o que a Resistência nega.

Ainda aqui, muito estranhamente, os Europeus — que consideram a presunção de inocência como um dado adquirido em democracia — condenam o suspeito antes mesmo que ele tenha sido julgado, ou sequer submetido a provas.

Mascarar o fracasso europeu na Síria

No fundo, não escapou a ninguém que a verdadeira novidade neste dossiê não figura aqui : e é a intervenção do Hezbolá na guerra da Síria. Uma vez que traímos o nosso compromisso de derrubar o presidente Bachar el-Assad, levemos ao menos o nosso apoio aos « rebeldes » condenando o Hezbolá, pensa-se em Bruxelas.

É este argumento que, parece, levou à decisão do Conselho Europeu. A contrario, isto mostra a incapacidade dos Britânicos e dos Franceses em influenciar o que seja, num conflito que eles deliberadamente desencadearam para se apoderarem da Síria, brandindo a bandeira da colonização, que se tornou a mesma do Exército sírio livre. Acima de tudo esta condenação tem o mérito de clarificar os campos : de um lado a resistência à opressão colonial, do outro as potências colonialistas.

Se a atitude britânica não espanta, com o Reino-Unido reivindicando o seu estatuto colonial, ela já o é no que se refere à França, que alternou na sua história os períodos revolucionários e os imperiais.

Assim, a Declaração dos Direitos do homem e do cidadão, adoptada em 1789, enuncia no seu artigo 2 quatro direitos fundamentais, dos quais um é a « resistência à opressão ». Foi com esta base que em 1940, Charles De Gaulle se opôs ao armistício entre a França e o Reich nazi, tomando o comando da Resistência.

Ao contrário, no decurso dos anos 1880, Jules Ferry incarnou a expansão francesa querida por uma facção do patronato que aí previa maior rentabilidade, para os seus investimentos, que em França, na medida em que era o contribuinte e não ele quem pagaria o exército colonial. Para arregimentar o país, Ferry tornou a escola pública gratuita e obrigatória. Os professores, chamados « hussardos negros da República » deviam convencer os jovens a alistar-se nas tropas coloniais. E, foi aos auspícios de Jules Ferry que o actual presidente francês, François Hollande, consagrou o seu quinquenato.

Se a França moderna é Charles De Gaulle, ela teria podido ser Philippe Pétain ; um marechal razoável, que considerava a submissão ao Reich vitorioso tanto mais desejável quanto ele aí via um meio de acabar com a herança de 1789. É, certamente, muito cedo para que as elites francesas o reabilitem, mas condenar a Resistência libanesa, é condenar uma segunda vez Charles De Gaulle à morte por terrorismo.

Definitivamente, os ideais que fizeram a glória da França são actualmente melhor defendidos em Beirute que em Paris.
Tradução
Alva



daqui: http://www.voltairenet.org/article179630.html

sábado, 27 de julho de 2013

Como estamos empobrecidos, aburguesados e silenciados – e o que fazer acerca disso

por John Pilger 


Conheço o meu carteiro há mais de 20 anos. Consciencioso e bem-humorado, ele é a encarnação do serviço público no seu melhor aspecto. Noutro dia, perguntei-lhe: "Por que é que você se posta frente a cada porta como um soldado numa parada?"

"Novo sistema", respondeu. "Já não me pedem para simplesmente postar as cartas através da porta. Tenho de abordar cada porta de um certo modo e enfiar as cartas através dela de um certo modo".

"Por que?"

"Pergunte-lhes".

Do outro lado da rua estava um jovem solene, com prancheta na mão, cujo trabalho era seguir carteiros e ver se eles cumprem as novas regras, sem dúvida como preparativo para a privatização. Eu disse ao seguidor de carteiros que o meu era admirável. A sua cara permaneceu imutável, excepto por um momentâneo piscar confuso.

Em "Admirável mundo novo revisitado", Aldous Huxley descreve uma nova classe condicionada à normalidade que não é normal "porque eles estão tão bem ajustados ao nosso modo de existência, porque sua voz humana foi silenciada tão prematuramente nas suas vidas, que nem mesmo lutam ou sofrem ou desenvolvem sintomas como acontece com o neurótico".

A vigilância é normal na Era da Regressão – como revelou Edward Snowden. Câmaras por toda a parte são normais. Liberdades subvertidas são normais. A discordância pública efectiva é agora controlada pela polícia, cuja intimidação é normal.

A corrupção de nobres palavras como "democracia", "reforma", "bem-estar" e "serviço público" é normal. Primeiros-ministros que mentiram abertamente acerca de lobbystas e objectivos de guerra são normais. A exportação de armas britânicas no valor de 4 mil milhões de libras [€ ], incluindo munições para controle de multidão, para o estado medieval da Arábia Saudita, onde a apostasía é um crime capital, é normal.

A destruição deliberada de instituições públicas eficientes e populares, como a Royal Mail, é normal. Um carteiro já não é mais um carteiro, a fazer o seu trabalho decente; ele é um autómato a ser observado, um ítem de formulário a ser assinalado. Huxley descreveu esta regressão como insana e o nosso "perfeito ajustamento àquela sociedade anormal" como sinal de loucura.

Estaremos nós "perfeitamente ajustados" a isto? Não, ainda não. O povo defende hospitais do encerramento, o Reino Unido íntegro força agências bancárias a fecharem e seis corajosas mulheres escalam o mais alto edifício da Europa para mostrar a devastação provocada no Árctico pelas companhias de petróleo. Aqui, a lista começa a desvanecer-se.

No festival de Manchester deste ano, a épica peça "A máscara da anarquia", de Percy Bysshe Shelley – com todos os 91 versos escritos em cólera após o massacre de Lancashire, em 1819, do povo que protestava contra a pobreza – é uma peça teatral aplaudida e absolutamente divorciada do mundo externo. Em Janeiro último, a Comissão da Pobreza da Grande Manchester revelou que 600 mil habitantes de Manchester estavam a viver em "extrema pobreza" e que 1,6 milhão, ou aproximadamente a metade da população da cidade, estavam "a deslizar para pobreza mais profunda".

A pobreza foi aburguesada (gentrified). O Parkhill Estate, em Sheffield, era outrora um edifício de habitação pública – pouco apreciado por muita gente devido ao seu brutalismo Le Corbusier, à fraca manutenção e falta de instalações. Com o programa Heritage Grade II, ele foi renovado e privatizado. Dois terços das velhas habitações renasceram como apartamentos modernos vendidos a "profissionais", incluindo designers, arquitectos e um historiador social. No gabinete de vendas podem-se comprar canecas e almofadas de designer. Esta fachada não apresenta nem um indício de que, devastada pelos cortes de "austeridade" do governo, Sheffield tem uma lista de espera para habitação social de 60 mil pessoas.

Parkhil é um símbolo dos dois terços da sociedade que é a Grã-Bretanha de hoje. O terço aburguesado vai bem, alguns deles extremamente bem, um terço luta para sobreviver a crédito e o resto desliza para a pobreza.

Embora a maioria dos britânicos seja da classe trabalhadora – que se considere desse modo ou não – uma minoria aburguesada domina o parlamento, a administração superior e os media. David Cameron, Nick e Ed Milliband são os seus autênticos representantes, com apenas diferenças técnicas menores entre os seus partidos. Eles estabelecem os limites da vida e do debate político, ajudados pelo jornalismo aburguesado e da indústria da "identidade". A maior transferência de sempre da riqueza, para cima, é um dado. A justiça social foi substituída pela "justeza" ("fairness") sem significado.

Enquanto promove esta normalidade, a BBC concede um prémio de quase um milhão de libras a um funcionário superior. Embora se considere como o equivalente nos media à Igreja da Inglaterra, a corporação agora tem uma ética comparável àquela das companhias de "segurança" G4S e Serco as quais, diz o governo, cobraram a mais por serviços públicos dezenas de milhões de livros. Em outros países isto se chama corrupção.

Tal como a liquidação das companhias de água, gás, água e das ferrovias, a venda do Royal Mail está a ser obtida com subornos e a colaboração da liderança sindical, pouco importando o seu protesto vocal. Ao abrir a sua série de documentários de 1983, "Questions of Leadership", Ken Loach mostra líderes sindicais a exortarem as massas. Os mesmo homens são mostrados a seguir, mais velhos e enfeitados, adornados com arminho na Casa dos Lordes. Na recente homenagem pelo Aniversário da Rainha, o secretário-geral da [central sindical] TUC, Brendan Barber, recebeu o seu título de nobreza.

Por quanto tempo os britânicos podem assistir aos levantamentos por todo o mundo e pouco mais fazer do que chorar o defunto Partido Trabalhista? As revelações de Edward Snowden mostram a infraestrutura de uma polícia de estado a emergir na Europa, especialmente na Grã-Bretanha. Contudo, o povo está mais consciente do que nunca; e os governos temem a resistência popular – razão pela qual os que dizem a verdade são isolados, caluniados e perseguidos.

Mudanças grandiosas quase sempre começam com a coragem de pessoas que põem em causa suas próprias vidas contra todas as adversidades. Não há outra saída agora. Acção directa. Desobediência civil. Infalível. Leiam Percy Shelley – "Vocês são muitos; eles são poucos". E tenham êxito.
25/Julho/2013
O original encontra-se no New Statesman e em johnpilger.com/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/


http://resistir.info/pilger/pilger_25jul13.html 

terça-feira, 16 de julho de 2013

O criticismo reacionário

por Vaz de Carvalho


“As novas antenas difundem as velhas asneiras
A sabedoria, essa transmite-se de boca a orelha”
- Bertholt Brecht – Poemas


“Toda a confusão provém da mente conhecer apenas parcialmente uma coisa que é um todo ou se compõem de muitos elementos. (…) Não se entendem as propriedades das coisas enquanto se ignoram as suas essências”
Espinosa – Tratado da Reforma do Entendimento


1 – EM QUE CONSISTE
Chamamos criticismo reaccionário, à crítica às consequências da política de direita para prosseguir com políticas de direita ainda mais gravosas, dando a ilusão de defender justamente o contrário, desta forma procurando levar as pessoas a agir contra os seus próprios interesses.
Com a notícia do abandono do governo por parte de Vítor Gaspar e Paulo Portas, estes críticos revelaram com clareza a inconsistência das suas “críticas”. Pode dizer-se que entraram em pânico com a perspectiva da política ultra-reaccionária da troika ser alterada. Um destes “críticos” dizia que a saída de V. Gaspar “é mau, é um sinal de que não vai ser feito aquilo que é preciso”. A questão a colocar seria: Mas preciso para quem? Claro que faz parte dos actuais procedimentos jornalísticos não questionar estes “críticos”.
Durante o último governo PS, o PSD e o CDS tudo prometeram, denunciavam o fracasso das medidas com que, de cedência em cedência, o governo PS afundava o país, porém colaboravam na elaboração e aprovação das mesmas sempre que necessário, exibindo intenções de consciência social, preocupação pelo “dinheiro dos contribuintes”, pelo desemprego, pelos défices do Estado. Os resultados das suas políticas estão à vista: mais desemprego, mais recessão, mais endividamento, mais impostos, menos prestações sociais.
Podemos distinguir três modelos básicos de criticismo reaccionário: contra o governo; contra “os políticos” e os partidos; contra os trabalhadores, suas organizações e direitos.
Neste contexto se integram os ataques à Constituição. Com o argumento que não há dinheiro, pretendem eliminar as funções sociais e económicas do Estado e as garantias laborais, embora haja dinheiro para a finança especuladora, benefícios fiscais e livre transferência de capitais e rendimentos, juros usurários, rendas monopolistas, salários milionários nas administrações dos oligopólios.
Em 2012 os presidentes e membros de comissões executivas da EDP, GALP, PT e Jerónimo Martins auferiram a módica quantia de 39.585.275 €, mais 58,3% que em 2011. Só o sr. Mexia à conta dele levou 3.103.180 €. O sr. Granadeiro que deixou funções executivas na PT recebeu 615 800€ de remuneração mais 652 000 € de prémio (!) pelo mandato entre 2009 e 2011. (Visão, 11.Abril 2013)
Claro que a isto podem acrescer rendimentos obtidos em paraísos fiscais como aqueles em que as empresas têm sede.
Compare-se com as “excessivas” indemnizações por despedimento de trabalhadores ou os rendimentos de funcionários públicos e pensionistas tratados como parasitas sociais que “vivem à custa do Estado”, como se nada fizessem ou tivessem feito nem efectuados os devidos descontos.
Não podemos também ignorar a promoção acrítica de um europeísmo federalista, acéfalo relativamente aos interesses nacionais, que se torna parte do criticismo reaccionário, já que os directórios europeus há muito puseram em prática uma política de direita, com acentuadas cedências a aspectos de extrema-direita. Perante esta situação os apelos e as inócuas propostas de gente que nada quer alterar do sistema, valem rigorosamente nada, como o sr. Hollande se encarrega de demonstrar.

2 – OS PROCESSOS
Comentadores assumem um papel indignado, revoltados contra a actual situação, como grandes defensores dos interesses do povo e do país. Criticam o que sempre apoiaram e defenderam, considerando agora o memorando da troika “mal desenhado”. Justificam o descalabro para onde o país foi conduzido com o facto de “estamos nas mãos dos credores internacionais” e do “país estar sob intervenção”. Contudo, reclamaram, saudaram, justificaram a intervenção da troika, para “nos ajudar” e apoiaram ir-se mais além. Era o “ímpeto reformista” do governo: as tão reclamadas “reformas estruturais”.
Criticam o governo, mas defendem as medidas negativas deste pacto de agressão e ocupação do país; escamoteiam as consequências do domínio oligárquico e do parasitismo financeiro, que impede os povos de controlarem a economia dos seus países e protegerem-se da servidão pela dívida. Esta a razão por que muito se falando em “crise” pouco ou mesmo nada se fala das suas causas, senão para as deturpar.
Mas estas “críticas” não passam de camuflagem, manobra de diversão que acaba por justificar as políticas do governo, classificando como um êxito a decantada “credibilidade externa” e a “confiança dos mercados”, que apenas reflectem o domínio da usura financeira: 6,8% para empréstimos a 10 anos em meados de Junho (antes de crise no governo!). No fundo, alinham com as esquizofrénicas dissertações do governo, e do ex-ministro Gaspar, ridiculamente tecnocráticas face aos resultados obtidos.
Prestações sociais e salários são apresentados como o grande problema da despesa pública e do défice, omitindo que os juros usurários sobre o Estado português, por parte do “parceiros europeus” representaram em 2011 92% do défice orçamental, em 2012 68,6%, valor que em 2013 segundo as previsões do governo será cerca de 100%. (1)
A monumental fraude à opinião pública menos esclarecida prossegue, escondendo os milhares de milhões para a especulação (SWAP), compensação da má gestão e fraude (BPN, BPP, Banif, PPP, etc.), benefícios fiscais ao grande capital e à banca.
O criticismo reaccionário assume também consonâncias tecnocráticas. Jornalistas e professores de economia formatados na escolástica neoliberal que domina a UE como nova Inquisição, configuram um mundo abstracto em que as pessoas nem como estatística contam, apenas os “incentivos” aos lucros do grande capital e finança, colocados acima de todas as outras preocupações e valores.
O sr. Nuno Crato antes de ser ministro teve promoção mediática num programa da SIC, onde criticava o “centralismo” do ministério da educação, as políticas de M. Lurdes Rodrigues (como era fácil fazê-lo!) e teorias pedagógicas falhadas, defendendo o “ensino”, a autonomia dos professores e das escolas, etc. Parecia um bem-intencionado tecnocrata, mostrou ser um inimigo dos professores e da escola pública, urdiu provocações, determinou ilegalidades, em atitudes que podemos classificar como fascizantes tentando voltar a população contra a escola pública e contra os professores, a dignidade desta profissão e seus direitos. Aproveitando-se da sua acção o governo divulgou intenções de alterar a lei da greve, tornando-a uma liberdade teórica.
Os comentadores promovidos pelo sistema especializaram-se no jogo de sombras em que pretendem transformar a política. O subjectivo, o psicológico, escondem o concreto: as relações de produção e exploração em que as pessoas são inseridas.
A política é transformada numa série de jogadas, intrigas e contra intrigas, em que o sr. Rebelo de Sousa se assume como mestre desta encenação. A vacuidade dos seus comentários pode ser avaliada ouvindo-os com alguns meses de distância…
O pensamento de direita afunda-se no zero absoluto: ou resvala para a calúnia ou exprime-se completamente dissociado da realidade, esta está sempre errada, não conforme com os “padrões de ajustamento”. A direita refugia-se nas análises isoladas dos contextos ou num pensamento teológico, ancorado em ilusões de milagres além-fronteiras (as políticas da UE), promovendo a passividade da população.
É a forma, não os conteúdos, que os comentadores, pretensamente críticos, ilusionistas da política procuram. É a versão de que o problema do governo é “comunicar”, “explicar melhor” as suas medidas. Verdadeiros camaleões da política criticam o governo, apontando erros, como se não tivessem andado a defender tudo o que se fez, apoiando as exigências da troika, isto é, a espoliação das camadas trabalhadoras.

3 – OS OBJETIVOS
O objectivo central do criticismo reaccionário é promover a alienação das camadas populares. A perda de controlo sobre a sua existência, desapossada a favor do poder financeiro.
Distinguimos no criticismo reaccionário 3 tipos de “críticos”: os “arrependidos”, os malabaristas e os radicais ou niilistas éticos. As diferenças são de forma não de conteúdo: todos pretendem uma sociedade oligárquica, dominada por uma intocável finança, em que a função principal do Estado é proteger estes interesses.
Os dois primeiros, são apresentados normalmente, como inquestionáveis autoridades nas matérias tratadas, porém se tudo sabiam nada previram e erraram sempre nas suas soluções. São adeptos do modelo liberal oligárquico e neste sentido, favoráveis ao “consenso” com o PS.
Os últimos são os que mais atacam o governo, mas, por contraditório que pareça, os que mais defendem as suas políticas! Defendem cortes de 10 000 milhões de euros, “rapidamente e em força” e que se anule a Constituição. O seu modelo social é uma ditadura oligárquica de fachada democrática. A qualificação como niilistas éticos, provém de nos seus raciocínios serem ignoradas as consequências sociais do que defendem, atendendo a que em 2012 sem apoios sociais 40% da população portuguesa cairia na pobreza ou exclusão social.
O criticismo reaccionário não pode ser subestimado e ainda menos ignorado. Directa ou indirectamente é hospedeiro do ovo da serpente fascizante. O populismo é a fingida indignação contra “os políticos”, os partidos, os direitos dos trabalhadores, assumidos como “privilégios” e responsáveis pela crise e pela pobreza dos demais, propondo a entrega do governo a tecnocratas: os “técnicos competentes”, os “profissionais”.
Os exemplos na UE (Monti, Draghi, Papademos, Schaubel, V Gaspar, Santos Pereira, Crato, etc.) são suficientes para avaliar a sua prática e os seus objectivos: defesa e promoção da sociedade oligárquica. A competência destes tecnocratas fica demonstrada pelos erros das suas previsões, que não são acidentais: resultam de conceitos e práticas intrinsecamente errados.
Confessam que é muito difícil fazer previsões no actual contexto. Falso. A realidade foi desde sempre desvendada com a devida antecedência para os que a analisaram a partir do materialismo dialéctico, não da metafísica neoliberal e reaccionária. Apenas dois exemplos: Álvaro Cunhal em “O Passado e o Futuro da Revolução Portuguesa” definiu com rigor as consequências da integração na então CEE; Carlos Carvalhas em 1999, explicitou com exactidão o que ocorreria ao país com a adesão ao euro.
O actual governo é exemplo do populismo pela forma como conquistou o poder e o exerce, contra as leis e a Constituição, visando, com o apoio do PR, a passagem do liberalismo oligárquico (do governo PS) para a ditadura oligárquica, de fachada democrática anulando, à maneira salazarista, a letra e o espírito da Constituição através de leis. Dirigismo férreo para as camadas trabalhadoras pela legislação e pelas privações, liberdade total para os sectores oligárquicos.
Este o seu conceito de “Estado de direito”, enquanto a defesa da Constituição e dos valores libertadores do 25 de ABRIL são caluniados como de “extrema-esquerda”.
O criticismo reaccionário faz apelo a sentimentos negativos. Temendo a consciência e a união das camadas populares, procura voltar pobres contra pobres, trabalhadores contra trabalhadores, etc., dividir as camadas populares, instilar a animosidade, considerando direitos laborais como privilégios, os causadores da crise e que deveriam ser anulados.
O PS em nome de uma pretensa “economia de mercado” ou de quimeras como “o sonho europeu”, do qual os trabalhadores estão arredados, cede aos desígnios do poder oligárquico, um poder que se expressa num capitalismo rentista e sem soluções.
É o marxismo que permite a compreensão do mundo real em permanente transformação, afirmando a capacidade colectiva da Humanidade para concretizar essas transformações no sentido do progresso social, construindo uma sociedade voltada para mais elevados padrões de vida, cultura e organização económica. É no marxismo que se encontram as soluções para a superação das crises que o sistema capitalista forçosamente engendra.

1 – Este texto não trata especificamente do problema da dívida, algo que merece abordagem específica. Recordemos apenas a enormidade do “sucesso” dos mercados que PR e governo defendem a todo o custo, face à recente revelação que o pagamento do serviço de dívida a partir de 2014 atingirá (ou atingiria) anualmente mais de 18 mil milhões de euros.

daqui: http://www.odiario.info/?p=2945

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Mudar de Vida - Vida e Obra de José Mário Branco

As forças por trás deste ambientalismo centrado no carbono


Em 25 de Junho de 2013 o presidente Obama apresentou a sua agenda a longo prazo para reduzir "emissões com efeito estufa" da indústria e de consumidores dos EUA. Em 11 de Julho o Departamento da Energia advertiu que eventos relacionados com a "alteração climática" estarão a ameaçar fontes tradicionais de produção de energia e a provocar mais interrupções no seu abastecimento. Ao mesmo tempo, a noção de que eventos atmosféricos (weather) inabituais ou extremos são devidos primariamente a um excesso de CO2 atmosférico e ao consequente "efeito estufa" baseia-se comprovadamente muito mais em desígnios económicos e políticos a longo prazo do que em ciência sã.

Como resposta aos apelos urgentes que acompanham a investigação alegadamente completa e isenta de cientistas, inclusive do IPCC das Nações Unidas, que procuram ligar alterações climáticas à actividade humana e industrial, um conjunto de programas está a ser propostos e implementado por decreto tanto na Europa como nos EUA. Tais programas mudarão drasticamente o padrão de vida da maior parte de cada indivíduo no mundo desenvolvido. Na verdade, uma vez que temperaturas globais não se correlacionam facilmente com a ascensão imediata no dióxido de carbono atmosférico, tem havido uma assinalável mudança no interior da máquina de relações públicas do CO2 do conceito de "aquecimento global" para a expressão mais amorfa e genérica da "alteração climática".

O plano real por trás desta agenda internacional e da promoção de uma ideologia quase religiosa é estabelecer a lógica para uma regulamentação maciça e um sistema de tributação para remodelar o comportamento humano e o estilo de vida, além de criar uma área totalmente nova para despesas tecnológicas e especulações financeiras utilizando títulos e derivativos relacionados ao carbono

Ostensivamente um empreendimento não lucrativo, a pregação do credo das alterações climáticas tornou-se também um esforço lucrativo, com imensos recursos financeiros proporcionados para o seu proselitismo continuado. Na verdade, a isenção fiscal 501C3 de organizações relativas ao clima constitui uma máquina de relações públicas de muitos milhares de milhões de dólares destinada a convencer de um tema central: os humanos são culpados por todo o desastre relacionado com o tempo (weather) apresentado graficamente em todos os media electrónicos. Tal ambientalismo falso envolve esforços vigorosos para transformar a política pública com base numa ciência dúbia enquanto ignora ameaças ambientais verdadeiras.

Enquanto se encontram disposições como a da 501C3 a encorajar doações do público em geral, a escala doa activos e receitas anuais de muitas destas organizações sugere a dependência para com muitos indivíduos e instituições com bolsos fundos que pretendem vender a responsáveis do governo e a um público mais vasto a noção de que quase todo acontecimento anormal com o tempo é o resultado de emissões com efeito estufa.

A lista a seguir de organizações não lucrativas destinadas a promover o ponto de vista da alteração climática e da sustentabilidade – de modo algum completa – foi coligida a partir dos formulários fiscais 990 relativos a 2010. Naquele ano a tal 501C3 fez entrar mais de 1,7 mil mihões em receitas (US$1.742.350.656), com a Nature Conservancy, liderada por Marck Tercek, antigo administrador da Goldman Sachs, representando mais da metade daquela quantia. Os dados na quarta coluna demonstram a extensão da presença pública de tais entidades; algumas obtêm maior atenção jornalística ao passo que outras operam sob anonimato quase total.

Nome na 501C3
Rendimento em 2010
Activos líquidos
Nº de menções nas principais publicações mundiais, 01/Jul/2012-30/Jun/2013 (LexisNexis)
Sierra Club $97.757.78 $52.209.573 726
World Wildlife Fund $267.993.426 $182.067.246 993
Friends of the Earth $5.495.897 $3.407.984 1.831
United Nations Intergovernmental Panel on Climate Change Não disponível Não disponível 697
United Nations Environmental Program Não disponível Não disponível 115
United Nations Foundation $197.737.803 $231.213.165 101
Nature Conservancy Inc. $997.037.663 $5.180.558.726 242
Greenpeace Inc. $27.465.948 $824.056 2.879
Climate Works Foundation $83.026.313 $215.248.816 1
World Resources Institute $50.079.176 $59.901.847 125
Center for Biological Diversity $7.181.472 $10.734.072 115
Defenders of Wildlife $30.229.512 $23.839.354 35
International Institute for Environment and Development $30.335.978 $5.121.919 1
Natural Resources Defense Council $97.957.964 $197.413.060 484
National Council for Science and the Environment $3.526.925 $562.386 8
Global Green USA $4.633.587 $4.372.965 8
Pew Center on Global Climate Change $6.424.365 $4.666.874 2
Institute for Sustainable Communities $15.007.337 $6.207.761 0
Sustainable Markets Foundation $4.347.579 $1.660.940 0
US Climate Action Network $2.414.999 $1.067.116 1
350 Org $3.013.995 $2.250.300 109
Association for the Advancement of Sustainability in Higher Education $2.362.495 $736.159 0
The Alliance for Climate Protection $19.150.215 $12.052.979 5
Climate Solutions $2.642.682 $907.901 29
Alliance for Climate Education $2.749.291 $369.251 2
Climate Central Inc. $3.273.478 -$808.414 49
Climate Group Inc. $2.746.784 $465.685 0
Por exemplo: o Climate Project financiado por Al Gore foi o primeiro a estabelecer-se para "propósitos educativos", principalmente para ter a mensagem de Uma verdade inconveniente levada às salas de aula dos EUA. Uma outra organização, Association for the Advancement of Sustainability in Higher Education, analogamente realiza o trabalho menos destacado de promover a agenda verde no interior de faculdades e universidades. Em linhas gerais, tais recursos são utilizados para enfatizar os alegados perigos das emissões de gás com efeito de estufa para a própria existência da civilização e até mesmo da vida. O montante de tais recursos é comparável aos gastos anuais com publicidade de muitas corporações transnacionais .

OGMs, Golfo do México, DU e Fukushima ignorados

Enquanto Obama e o conjunto de organizações ambientais bem financiadas fazem campanha sobre os alegados perigos de emissões gasosas, eles estão totalmente silenciosos sobre aquilo que são ameaças verdadeiramente graves ao ambiente e à humanidade – nomeadamente a contaminação em escala vasta do abastecimento alimentar a partir de organismos geneticamente modificados (OGMs), o conjunto de modificações clandestinas do tempo e os programas de geo-engenharia, a destruição do Golfo do México e a grave poluição de regiões inteiras do globo com urânio empobrecido (depleted uranium, DU) e a radiação de Fukushima que perdurará durante muitos períodos de vida humana.

À luz destas catástrofes em curso e dos poderosos interesses financeiros por trás da advocacia ambiental centrada no carbono, a postura de Obama sobre alterações climáticas de origem antropogénica, assim como as propostas de ambientalistas bem financiados, podem ser encarados como o que realmente são – os componentes visíveis de um complexo programa de engenharia social avançado em alto grau para o convencimento do público de que o seu retorno a uma existência pré-feudal não só seria agradável como absolutamente imperativa para o maior bem de todos.
12/Julho/2013
Ver também:
  • Aquecimento global: uma impostura científica , de Marcel Leroux
  • Mitos climáticos , blog de Rui Moura (1931-2010)

  • Acerca da impostura global , de Jorge Figueiredo

    [*] Editor da revista Democratic Communiqué

    O original encontra-se em memoryholeblog.com/... e em www.globalresearch.ca/...


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .  
  • Prémio Nobel da Paz para Snowden


    Propomos Edward Snowden para o Prémio Nobel da Paz, em virtude da sua luta não-violenta a favor dos direitos fundamentais. Entre estes, é essencial o direito de expressar-se livremente em todo o mundo, sem a vigilância do Grande Irmão. Afirmamos a estreita ligação entre os direitos fundamentais e a paz, aqueles e esta pré-requisitos para a "fraternidade entre as nações" a que Alfred Nobel se refere no seu testamento. Snowden, denunciando a submissão dos novos media à política imperial e fautora do caos e da guerra, deu um grande contributo para a paz no mundo e a fraternidade entre os povos. Revelou à opinião pública internacional a existência de um sistema generalizado de escutas das comunicações privadas na Internet – e não só – conduzido secretamente pelo governo dos EUA através do programa de vigilância PRISM. Estas revelações, nunca desmentidas, foram consideradas credíveis pelos mais importantes jornais internacionais. Induziram governos, como o da Alemanha, a pedir oficialmente, através do Ministério da Justiça, esclarecimentos às autoridades dos EUA. Estas últimas decidiram entretanto acusar o jovem ex-colaborador da Agência Nacional de Segurança (National Security Agency, NSA) de espionagem, furto e utilização ilegal de bens governamentais, compelindo-o a uma precária condição de fugitivo enquanto se desenrola uma "campanha de pressão em toda a linha" – como a define o New York Times – visando convencer os governos progressistas da América Latina a não lhe concederem asilo político.

    Convictos de que a independência dos novos media constitui uma questão fundamental da nossa época e de que, tal como vertido no artigo 12 de Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), "nenhum indivíduo poderá ser submetido a interferências arbitrárias na sua vida privada, na sua família, na sua casa e na sua correspondência, nem à lesão da sua honra e da sua reputação", pedimos aos membros do Comité Nobel que confiram a Edward Snowden o Prémio Nobel da Paz, em linha com uma tradição que frequentemente atribuiu o justo reconhecimento a personalidades que levaram a cabo lutas não-violentas visando o respeito pelos direitos humanos. Os Estados Unidos da América souberam abolir a escravatura, e depois disso reconheceram, embora com um grave atraso relativamente a muitos outros países, os direitos civis da população afro-americana, processo que culminou no facto de terem hoje um presidente afro-americano. Um enorme progresso. Chegou agora o momento, para aquela que é ainda a primeira potência económica e militar à escala mundial, de renunciar a uma política de controlo imperial.
    Para descarregar esta imagem clique com o botão direito do rato: , tamanho médio , tamanho grande .

    O original em italiano encontra-se em snowdennobel.altervista.org/... e a versão em português em snowdennobel.altervista.org/...


    Esta petição encontra-se em http://resistir.info/


    http://resistir.info/varios/snowden_nobel_da_paz.html 

    Uma decisão moral

    domingo, 14 de julho de 2013

    Um Documentário Bestial


    A suspensão da democracia

    por JOSÉ MANUEL PUREZA

    O discurso de Cavaco Silva ao País foi um discurso de revisão constitucional. Cavaco Silva reviu a Constituição sem dizer nada a ninguém. Onde se estipula que o Presidente da República jura cumprir e fazer cumprir a Constituição, Cavaco estatuiu que o Presidente da República jura cumprir e fazer cumprir o Memorando de Entendimento com a troika. Onde a Constituição estabelece que a soberania reside no povo, Cavaco Silva colocou perentoriamente que a soberania reside nos credores e nos mercados. Onde a Constituição adota um regime democrático representativo baseado em eleições livres e justas, Cavaco Silva contrapôs um regime de democracia tutelada, em que os partidos se comprometem a adotar a política de austeridade como seu guião supremo e a anular, na prática, quaisquer diferenças sensíveis a esse respeito.

    Agora o País ficou a saber a razão de tanta preocupação de Cavaco Silva com o "pós-troika". O pós-troika, em versão cavaquista, é a troika eternizada por revisão constitucional implícita. E, em nome do pós-troika assim entendido, Cavaco Silva transformou a suspensão da democracia, insinuada há tempos como uma ironia, numa realidade política concreta. Portugal é hoje um país com uma democracia suspensa.

    O primeiro passo da suspensão da democracia é a manutenção em funções do atual Governo, com ministros que se demitiram e depois afinal já não, com outros que já se tinham despedido dos respetivos gabinetes, com putativos entrantes já à porta dos ministérios, etc. Este Governo passa a ser um híbrido entre um Governo pleno sem uma réstia de crédito político e um Governo de gestão em regime de serviços mínimos com prazo à vista e substituto identificado. É evidentemente a pior das soluções em termos da tão propalada defesa do interesse nacional, sobretudo quando está aí o pacote gigantesco de austeridade de 4700 milhões de euros como contrapartida das próximas tranches do financiamento da troika. Um Governo assim não ajoelha, é feito para ajoelhar.

    O segundo passo da suspensão da democracia será a transformação das eleições pré-marcadas para junho de 2014 numa votação mas não numa escolha. Haverá urnas, papelinhos e cruzinhas, haverá até comícios e discursos inflamados de circunstância. Mas o resultado será sempre o "compromisso de salvação nacional": o partido que ganhar e os partidos que perderem defenderão a mesmíssima filosofia orçamental, a mesmíssima orientação para os serviços públicos, a mesmíssima visão de país pequenino e vendido a retalho. O conceito de "salvação nacional" para Cavaco é claro: cumprir o memorando custe o que custar e eternizar a sua lógica e as suas orientações até ao infinito e mais além.

    Há algo de redundante nisto, pois que os três partidos convocados pelo Presidente a esse compromisso já se comprometeram há muito quando firmaram o Pacto Orçamental ditado por Berlim. Mas a operação de Cavaco é justamente essa: confirmar a maioria do Pacto Orçamental e do Memorando, amarrando nela o Partido Socialista. E assim fará o que a Direita governamental e parlamentar não conseguiu: integrar o PS numa maioria social e política que imponha a austeridade toda. Esta é por isso a hora do PS. Ao repto de Cavaco, o PS não pode continuar a responder "nim", falando contra a austeridade ao mesmo tempo que assevera aos mercados que está pronto a governar cumprindo escrupulosamente todos os compromissos internacionais de Portugal (leia-se os que nos condenam à austeridade sem fim). Agora tem de escolher um lado ou o outro. Cavaco subiu radicalmente o patamar de pressão sobre o PS. Da decisão do Largo do Rato depende boa parte da possibilidade de uma alternativa à suspensão da democracia.

    daqui:http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3318698&seccao=Jos%E9%20Manuel%20Pureza&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco


    A América Latina na era das cyberguerras

    quinta-feira, 11 de julho de 2013

    Um apelo às armas da codificação (introdução)

    – Um livro que precisa ser editado também em português

    por Julian Assange
     
     
     
    Este livro não é um manifesto. Não há tempo para isso. Este livro é uma advertência.

    O mundo não está a deslizar, mas sim a galopar para uma nova distopia transnacional. Esta evolução não foi adequadamente reconhecida fora de círculos da segurança nacional. Ela tem sido escondida pelo segredo, complexidade e escala. A Internet, nossa maior ferramenta de emancipação, foi transformada no mais perigoso facilitador de totalitarismo que alguma vez já vimos. A Internet é uma ameaça à civilização humana.

    Estas transformações ocorreram silenciosamente, porque aqueles que sabem o que está em curso na indústria da vigilância global não têm incentivos para falar abertamente. Abandonada na sua própria trajectória, dentro poucos anos a civilização global será uma distopia de vigilância pós-moderna, da qual, excepto para indivíduos mais hábeis, será impossível escapar. De facto, já podemos aí estar.

    Se bem que muitos escritores tenham considerado o que significa a Internet para a civilização global, eles estão errados. Estão errados porque não têm o senso de perspectiva que traz a experiência directa. Estão errados porque nunca se depararam com o inimigo.

    Nenhuma descrição do mundo sobrevive ao primeiro contacto com o inimigo.

    Nós nos deparámos com o inimigo.

    Ao longo dos últimos seis anos a WikiLeaks teve conflitos com quase todos os estados poderosos. Conhecemos o novo estado de vigilância a partir de uma perspectiva de dentro, porque medimos os seus segredos. Conhecemo-lo a partir de uma perspectiva combatente, porque dele tivemos de proteger as nossas pessoas, nossas finanças e nossas fontes. Nós o conhecemos a partir de uma perspectiva global, porque temos pessoas, activos e informação em quase todo país. Nós o conhecemos da perspectiva do tempo, porque temos estado a combater este fenómeno durante anos e o vimos duplicar e propagar-se, cada vez mais. É um parasita invasivo, a engordar junto a sociedades que se fundem com a Internet. Ele movimenta-se através do planeta, infectando todos os estados e pessoas diante de si.

    O que se pode fazer?

    Era uma vez, num lugar que não era nem aqui nem ali, nós, os construtores e cidadãos da jovem Internet, discutíamos o futuro do nosso novo mundo.

    Vimos que os relacionamentos entre toda a gente seriam mediados pelo nosso novo mundo e que a natureza dos estados – os quais são definidos pelo modo como as pessoas intercambiam informação, valor económico e força – também mudaria.

    Vimos que a fusão entre estruturas de estado existentes e a Internet criava uma abertura para mudar a natureza dos estados.

    Em primeiro lugar, é de recordar que estados são sistemas através dos quais fluem forças coercivas. Facções dentro de um estado podem competir por apoio, conduzindo a fenómenos democráticos superficiais, mas os fundamentos dos estados são a aplicação sistemática, e a evitação, da violência. A propriedade da terra, a propriedade, as rendas, dividendos, tributação, multas dos tribunais, censura, direitos autorais e marcas comerciais são todos impostos pela ameaça de aplicação da violência do estado.

    A maior parte do tempo nós nem mesmo estamos conscientes de quão próximos estamos da violência, porque dispomos de concessões privilegiadas para evitá-la. Tal como marinheiros a cheirarem a brisa, raramente contemplamos como a superfície do nosso mundo é apoiada de baixo pela escuridão.

    No novo espaço da Internet o que seria o mediador da força coerciva?

    Faz sentido apresentar esta questão? Neste espaço do outro mundo, este fluxo aparentemente platónico de ideias e informação, poderia ali caber uma noção de força coerciva? Uma força que poderia modificar registos históricos, escutar telefones, separar pessoas, transformar complexidade em entulho e erguer muralhas, como um exército de ocupação? A natureza platónica da Internet, dos fluxos de ideias e informação, é degradada pelas suas origens físicas. Seus fundamentos são cabos de fibra óptica estendidos através dos fundos dos oceanos, satélites a girarem acima das nossas cabeças, computadores servidores abrigados em edifícios em cidades desde Nova York até Nairobi. Tal como o soldado que matou Arquimedes com uma simples espada, do mesmo modo uma milícia armada poderia ganhar o controle do desenvolvimento do auge da civilização ocidental, nosso reino platónico.

    O novo mundo da Internet, abstraído do velho mundo de átomos brutos, sente saudades da independência. Mas estados e seus amigos movimentaram-se para controlar o nosso novo mundo – através do controle das suas fundações físicas. O estado, tal como um exército em torno de um furo petrolífero, ou um agente alfandegário a extrair subornos na fronteira, em breve aprenderia a alavancar o seu controle do espaço físico para ganhar o controle sobre o nosso reino platónico. Isto impediria a independência que sonhámos e, então, intrometendo-se nas linhas de fibras ópticas e junto às estações terrestres de satélites, avançaria na intercepção em massa do fluxo de informação do nosso novo mundo – a sua própria essência – apesar de toda a comunidade humana, económica e política o ter abraçado. O estado agarrar-se-ia como sanguessuga às veias e artérias das nossas novas sociedades, a devorar todos os relacionamentos expressos ou comunicados, toda página web lida, toda mensagem enviada e toda ideia pesquisa no Google, e a seguir armazena este conhecimento, milhares de milhões de intercepções por dia, um poder nunca sonhado, em vastos armazéns ultra secretos, para sempre. Ele avançaria para minar e minar este tesouro, a produção intelectual colectiva e privada da humanidade, enriquecendo o tesouro e maximizando o desequilíbrio de poder entre interceptores e o mundo dos interceptados. E então o estado reflectiria o que havia aprendido de volta no mundo físico, para começar guerras, visar drones, manipular comités da ONU e acordos comerciais e fazer favores para a sua vasta rede de indústrias conectadas, iniciados e cúmplices.

    Mas nós descobrimos algo. A nossa única esperança contra a dominação total. Uma esperança que com coragem, discernimento e solidariedade podíamos utilizar para resistir. Uma estranha propriedade do universo físico em que vivemos.

    O universo acredita em codificação (encryption).

    É mais fácil codificar informação do que descodificá-la.

    Vimos que podíamos utilizar esta estranha propriedade para criar as leis de um novo mundo. Para abstrair o nosso novo reino platónico da sua base fundamental de satélites, cabos submarinos e seus controladores. Para fortalecer nosso espaço por trás de um véu criptográfico. Para criar novas terras proibidas àqueles que controlam a realidade física, porque para nos seguirem eles precisariam de recursos infinitos.

    E, desta maneira, declarar independência.

    Cientistas do Projecto Manhattan descobriram que o universo permitia a construção de uma bomba nuclear. Isto não era uma conclusão óbvia. Talvez as armas nucleares não estivessem dentro das leis da física. Entretanto, o universo acredita em bombas atómicas e reactores nucleares. Eles são um fenómeno que o universo abençoa, como o sal, o mar ou as estrelas.

    Analogamente, o universo, nosso universo físico, tem aquela propriedade que torna possível para um indivíduo ou um grupo de indivíduos codificar alguma coisa de maneira confiável e automática, mesmo sem saber, de modo a que todos os recursos e toda a vontade política das mais fortes super-potências da terra não a possam descodificar. E os caminhos de codificação entre pessoas podem unir-se em rede para criar regiões livres da força coerciva do estado externo. Livres da intercepção em massa. Livres do controle do estado.

    Deste modo, o povo pode opor a sua vontade àquela de super-potência plenamente mobilizada e vencer. A codificação é uma encarnação das leis da física e atende à arrogância dos estados, nem mesmo às distopias da vigilância transnacional.

    Não é óbvio que o mundo tenha de funcionar deste modo. Mas de certo modo o universo sorri à codificação.

    A codificação é a forma final de acção directa não violenta.

    Se bem que estados com armas nucleares possam exercer violência ilimitada até sobre milhões de indivíduos, a codificação forte significa que um estado, mesmo exercendo violência ilimitada, não pode violar a intenção de indivíduos manterem segredos em relação a eles.

    A codificação forte pode resistir a uma aplicação ilimitada de violência. Nenhuma quantidade de força coerciva alguma vez resolverá um problema de matemática.

    Mas poderíamos nós tomar este estranho facto acerca do mundo e sobre ele construir o que virá a ser um elemento emancipatório fundamental para a independência da espécie humana no reino platónico da Internet? E quando sociedades fundidas com a Internet tivessem essa liberdade ela então seria reflectida na realidade física para redefinir o estado?

    Recordar que estados são sistemas, os quais determinam onde e como a força coerciva é aplicada sistematicamente.

    A questão de quanta força coerciva pode penetrar no reino platónico da Internet a partir do mundo físico é respondida pela codificação e pelos ideais cypherpunks.

    Quando estados fundem-se com a Internet e o futuro da nossa civilização se torna o futuro da Internet, devemos redefinir relações de força.

    Se não o fizermos, a universalidade da Internet fundirá a humanidade global numa grelha gigante de vigilância em massa e controle de massa. Devemos tocar o alarme. Este livro é o grito de uma sentinela na noite.

    Em 20 de Março de 2012, enquanto sob prisão domiciliar no Reino Unido a aguardar extradição, acordei com três amigos e companheiros no princípio de que talvez em uníssono as nossas vozes pudessem despertar a cidade. Devemos comunicar o que aprendemos enquanto ainda há uma possibilidade para si, o leitor, de entender e actuar sobre o que está a acontecer.

    É tempo de empunhar as armas do nosso novo mundo, para combater por nós próprios e por aqueles que amamos.

    A nossa tarefa é assegurar auto-determinação onde pudermos, conter a vinda da distopia onde não pudermos e, se tudo o mais falhar, acelerar a sua auto-destruição.

    Julian Assange, Londres, Outubro de 2012
    Conteúdo do livro
    • Introdução: Um apelo às armas da codificação
    • Participantes da discussão
    • Nota do editor
    • Nota sobre as variadas tentativas de perseguir a WikiLeaks e pessoas a ela associadas
    • Comunicação acrescida versus vigilância acrescida
    • A militarização do ciberespaço
    • Combater a vigilância total com as leis humanas
    • Espionagem do sector privado
    • Combater a vigilância total com as leis da física
    • A Internet e a política
    • A Internet e a teoria económica
    • Censura
    • Privacidade para o fraco, transparência para o poderoso
    • Ratos no edifício da opera
    • Notas finais

    Ver também:
  • A NSA e os seus prestativos ajudantes

    O original em inglês, com 197 pgs. e 3,34 MB, pode ser descarregado aqui (clique com o botão direito do rato e faça "Guardar como...")


    Esta introdução encontra-se em http://resistir.info/
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    PCP acusa PR de promover "negociata política"

    por Agência Lusa, publicado por Susana Salvador

     O secretário-geral do PCP acusou hoje o Presidente da República de ser "cúmplice" de uma "negociata política", ao propor um acordo entre PSD, PS e CDS-PP, e reinvindicou novamente o direito constitucional de eleições.

    "O Presidente, cúmplice com esta política e este Governo, passa a promotor desta negociata política em que a importância da opinião e a decisão de voto, esse direito fundamental dos portugueses, foi profundamente maltratado, na medida em que não admite que o povo português possa decidir pela votação sobre outras soluções políticas para o nosso país", afirmou Jerónimo de Sousa, no Parlamento.

    Cavaco Silva, em comunicação ao país, propôs um "compromisso de salvação nacional" entre sociais-democratas, socialistas e democratas-cristãos, para permitir cumprir o programa de ajuda externa, embora prevendo o cenário de eleições legislativas antecipadas, em junho de 2014.

    O líder comunista considerou que o chefe de Estado voltou a patrocinar a "submissão ao pacto de agressão e à política de direita e aos novos colonialistas" e "deu aval à política e ao caminho de desastre em Portugal".

    "Verificou-se a linha de chantagem e de pressão que se tem abatido sobre o povo português, sempre falando dos mercados e compromissos externos e nunca sobre as pessoas e a situação em que se encontram.
     Estamos numa crise económica, política, social e até ética resultante de uma política que transformou num inferno a vida de muitos portugueses", continuou o deputado do PCP.

    Jerónimo de Sousa defendeu que "o povo português tem o direito de decidir o seu futuro coletivo" e que o Presidente da República "não pode vir dizer que as eleições têm de ter como resultado a continuação da mesma política, de um governo identificado com a 'troika'".

     "E se o povo português quiser uma coisa diferente? Não tem direito de escolher uma alternativa política?", questionou.
     
    daqui:http://www.dn.pt/politica/interior.aspx?content_id=3316297&page=2

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